• Por: Redator Garantidora Duplique Desembargador
  • 22/04/2021

Atualização da convenção do condomínio diante da pandemia

Será necessário? Para especialista, bastam os decretos governamentais, o Código Civil e as assembleias

Por Jaques Bushatsky* 

Essa pergunta tem sido repetida: a pandemia do coronavírus exige a reforma da convenção do condomínio? É uma dúvida que era esperada, afinal, raramente as regras do condomínio foram, como hoje, tão analisadas, os síndicos tão solicitados – e, por que não mencionar? Tão criticados… mesmo que injustamente. Em decorrência da imensidão de mortes e dos terríveis males espraiados, a pandemia também afetou duramente a gestão dos condomínios.

Não são novidades a irritação, os impropérios, os atos inopinados, as exigências veementes…

“Ninguém se convencia da realidade. Em geral as pessoas eram sensíveis ao que lhes prejudicava os hábitos ou interesses. Irritavam-se, impacientavam-se e isto nenhuma influência tinha sobre a peste. A primeira reação, por exemplo, era culpar o governo. A resposta do prefeito às críticas da imprensa (“não seria possível tornar mais flexíveis as medidas?”) […]”, esta reduzidíssima lembrança de “A Peste”, de Albert Camus, prêmio Nobel de Literatura em 1957, talvez acalme os mais destemperados ao verem quão repetitivo é o seu comportamento. Mas, o quebrar hábitos e o arranhar interesses particulares sempre foi problemático.

No que se refere ao enfrentamento da Peste, possuímos bom arcabouço normativo, não é necessário despender energia e dinheiro com alterações das convenções.

De fato, algumas providências têm sido impostas pelos Poderes Constituídos, sendo promulgadas leis e decretos, e quando errados ou inconstitucionais os Tribunais têm agido com rapidez – mesmo que às vezes gerando alguma perplexidade, como ocorreu da parte do STF na Páscoa de 2021. Mas, quando se está diante de Lei – ou de Sentença Judicial – somente duas serão as alternativas: cumprir ou recorrer. Vai daí, no âmbito que nos interessa agora, pouco há para vacilar.

Contudo, o síndico precisa decidir sobre uma série de aspectos durante a pandemia que não foram normatizados especificamente, seja em lei, seja em convenção: que critério usar para organizar o rodízio da academia? Permitirá deixar sapatos no corredor? Serão admitidas livremente as obras no prédio? Tratará de indenização pelas obras particulares interrompidas? Comprará máscaras para distribuição ou deixará que cada condômino o faça? Serão afrouxadas ou reforçadas as regras para entrada de visitantes e de prestadores de serviços?

E assim por diante. Nestes tempos, aqueles problemas clássicos resumidos nos tradicionais quatro “cs” do condomínio (criança, carro, cachorro, cano), se multiplicaram, abrangendo contingências, contágios, carpetes, carregamentos, corretores, calçados, chatos, coisas da COVID…isso, para ficarmos somente nesta letra, é lógico.

Pois bem, ele não precisará de nova convenção, deverá se conduzir seguindo claramente o que prevê o Código Civil, no artigo 1.348, incisos “IV: cumprir e fazer cumprir a convenção, o regimento interno e as determinações da assembleia” e “V: diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessam aos possuidores”. Por evidente, cuidará da preservação do sossego, da salubridade e da segurança das pessoas que compõem a comunidade condominial.

Sim, pode ocorrer que qualquer dos temas hoje em jogo, tenham sido definidos por assembleia. Nessa hipótese, o síndico fará cumprir a determinação.

Pode, de outro lado, haver um certo vazio decisório. Nessas hipóteses, o síndico procurará atender razoavelmente as necessidades do condomínio e dos condôminos, se pautando com a sempre esperada boa-fé, de acordo com os usos locais e com bom senso (isso pode parecer difícil, mas não é).

A materialização do “bom senso” ele alcançará utilizando para qualquer decisão, os fatos notórios (não contrariará, exemplo extremo, a evidência de que sofremos uma pandemia) e as regras da experiência comum, que certamente colheu observando o que ordinariamente ocorre (por exemplo, a experiência mostra que sem organização e marcações, as pessoas tendem à aglomeração).

Poderá contar com enquetes e conversas informais com condôminos que queiram colaborar com a gestão. Essas consultas não terão força decisória, mas poderão esclarecer alguns temas, quem sabe abrir alguns caminhos ao síndico (irresistível a lembrança etimológica: “síndico” tem origem em “sindicare” que, ao contrário do que alguns querem, não significa “mandar”, significa indagar, investigar). Enfim, auscultar as vontades dos condôminos será saudável, sem dúvida. 

Será expressão de boa e legal gestão, acolher os bons conselhos de médicos e cientistas, disponíveis graças à atenta mídia; ouvir tantos técnicos, especialistas e jornalistas que têm divulgado esclarecimentos. E, sendo o caso, divulgar aos condôminos como se coordenará o funcionamento do prédio e da comunidade. 

Enfim, não é preciso reformar a convenção, quando muito poderá interessar publicar algumas regras provisórias que não agridam os direitos dos condôminos, apenas expliquem e suavizem a gestão nesses tempos de crise, até que todos tenhamos a tão esperada saúde.  

(*) Jaques Bushatsky é advogado; pró-reitor da Universidade Secovi; sócio correspondente da ABAMI (Associação Brasileira dos Advogados do Mercado Imobiliário para S. Paulo); coordenador da Comissão de Locação do Ibradim e sócio da Advocacia Bushatsky.

via sindiconet.com.br

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