Câmeras, muros e a sensação de insegurança

Estudo revela que quem vive em condomínio fechado tende a perceber a vizinhança e o bairro mais violentos do que de fato eles são. Os muros altos com cercas elétricas e grossos portões metálicos, vigiados por câmeras de monitoramento, dão um aspecto de fortaleza aos condomínios horizontais fechados. Separados do mundo externo por uma série […]

Estudo revela que quem vive em condomínio fechado tende a perceber a vizinhança e o bairro mais violentos do que de fato eles são.

Daniel Castellano/ Gazeta do Povo / Aparecido Alves da Silva monitora o circuito de segurança: “Moradores querem mais”
Aparecido Alves da Silva monitora o circuito de segurança: “Moradores querem mais”

Os muros altos com cercas elétricas e grossos portões metálicos, vigiados por câmeras de monitoramento, dão um aspecto de fortaleza aos condomínios horizontais fechados. Separados do mundo externo por uma série de dispositivos, seus moradores tendem a se sentir mais seguros, certo? Nem tanto.

Uma pesquisa feita para uma dissertação de mestrado do Nú­­cleo de Gestão Urbana da Pontifícia Universidade Ca­­tólica do Paraná revelou que a percepção de segurança é diferente da realidade. O estudo, que ouviu 154 moradores de quatro condomínios horizontais de classe média de Curitiba, indica que, apesar dos aparatos de proteção, as pessoas que vivem nesses espaços fechados permanecem sob um clima de insegurança.

A percepção dos condôminos foi cruzada com indicadores oficiais de criminalidade, fornecidos pela Secretaria de Segurança Pública. Resultado: os moradores tendem a ver o condomínio, a vizinhança e o próprio bairro como mais vulneráveis à violência do que realmente são. A maior incompatibilidade entre esta sensação e os dados oficiais se dá em relação a crimes de menor poder ofensivo, como furtos e lesão corporal.

“Essa cultura do medo é uma tendência, influenciada principalmente pela percepção que as pessoas têm da violência urbana, mesmo que essa percepção, na maioria das vezes, não seja compatível com o que vem ocorrendo”, explica a arquiteta e mestranda Maria da Graça Burcowski, autora da pesquisa. “A busca pela segurança está fazendo com que as pessoas se isolem nesses enclaves fortificados”, resume.

Noticiário

Arraigada de forma mais sólida entre a classe média, a “cultura do medo”, explicam os especialistas, é reforçada diariamente pelo destaque que notícias sobre violência têm nos veículos de comunicação. Para o sociólogo Lindomar Bonetti, da PUCPR, este fenômeno intensifica a percepção errônea das pessoas em relação à violência. “Como o medo tem se tornado estrutural, a sensação de insegurança vira algo generalizado. É ruim, porque se perde a dimensão do real”, pontua.

A sensação distorcida revela ainda que as pessoas tendem a se fechar cada vez mais. Na pesquisa, mais de 61% dos condôminos atribuíram pouca importância ao item “moradores cuidando uns dos outros”. Para o sociólogo Pedro Bodê, coordenador do Grupo de Estudos da Vio­­lência da Universidade Fe­­deral do Paraná, este medo faz com que as relações sociais se afrouxem, abrindo espaço para que o espaço público fique abandonado.

“É um círculo vicioso: aumenta a fortificação e o medo e diminui a solidariedade. Este isolamento faz diminuir a sociabilidade e a interação entre as pessoas, principalmente de classes sociais diferentes. Com isso, o espaço público míngua e aumenta a segregação social.”

Segurança é o mais importante

Mais de 73% dos moradores entrevistados na pesquisa apontaram a segurança como elemento mais importante, e foi o que os fez optar por viver nesses espaços fechados. Itens como familiaridade, amizade e sociabilidade aparecem como de média importância. Privacidade e lazer têm pouca relevância aos condôminos.

Os elementos que mais deixam esses empreendimentos com “cara” de fortaleza, como guaritas e muros altos, são os que mais dão aos moradores a impressão de estarem protegidos. Foram classificados como de “alto grau de importância”. Às cercas elétricas e câmeras de monitoramento, os condôminos atribuíram médio grau de importância. “O foco da segurança está mais nos elementos de proteção que o condomínio oferece do que na relação social dentro do empreendimento. Os elementos mais destacados são os que transmitem a sensação física de segurança”, analisa Maria da Graça Burcowski, autora do estudo.

O sociólogo Pedro Bodê destaca que estes dispositivos vendem uma falsa sensação de proteção, que não garante imunidade à violência. Apesar disso, existe uma tendência de apostar nesses equipamentos em detrimento das relações sociais. “Nos condomínios há uma baixíssima taxa de sociabilidade, de relação de vizinhanças. As pessoas interagem menos e isso reflete na segurança. Muitos locais não têm essa estrutura, mas as pessoas estabelecem uma rede, garantindo a segurança.”

Condomínio quer ampliar proteção

Não é fácil entrar no condo­­mí­­nio de classe média localiza­­do no Uberaba, em Curitiba, vi­­sitado pela reportagem da Ga­­zeta do Povo. O local é um dos que serviram de fonte para a pesquisa. Na guarita de vidros blindados, o porteiro monitora, por meio de 30 câmeras, o movimento na propriedade.

Sobre os muros altos, cercas elétricas dificultam uma invasão. O portão metálico reforça a austeridade quase militar da fachada. Apesar de todo o aparato e de, em 14 anos, nunca ter sido registrada uma ocorrência policial dentro dos muros, os condôminos pretendem reforçar a segurança.

“Na última assembleia apro­­vamos a contratação de um consultor de segurança e a colocação de um sistema de sensores para abrir os portões automaticamente. O pessoal está assustado pela violência que vê lá fora”, diz o síndico Aparecido Alves da Silva. Por mês, a conta com segurança consome R$ 18 mil mensais.

Com mais de 80 casas, o condomínio adota o registro informatizado de visitantes e aposta na proximidade com os funcionários. “O pessoal da portaria conhece os moradores, sabe a rotina de cada um.”

PROJETO DE LEI

Câmara Municipal quer regularizar loteamentos

No fim de maio, começou a tramitar na Câmara de Curitiba um projeto de lei que visa regulamentar os mais de 130 loteamentos fechados existentes na capital. Esses empreendimentos diferem dos condomínios por abrangerem vias e áreas de lazer públicas. Segundo o vereador Jorge Bernardi (PDT), que é um dos autores do projeto, os loteamentos foram constituídos nas décadas de 1970 e 1980, por meio de associações de moradores. Como a lei dos condomínios (6.766/79) não contempla este tipo de empreendimento, esta modalidade de propriedade coletiva acabou à margem da regularização.

“A intenção é solucionar um problema que vem de 40 anos atrás, permitirndo que esses loteamentos sejam regularizados”, diz Bernardi. Com isso, a prefeitura outorgaria aos moradores a permissão de uso das vias públicas que passam pelos loteamentos. Em contrapartida, os moradores cuidariam da manutenção e administração dos locais.

O vereador ressalta, no entanto, que a proposta não abre precedente para a formação de novos loteamentos abrangendo espaços públicos. “A regularização dos que já existem é bem diferente de projetos anteriores, que tentavam permitir que se fechassem ruas para fazerem novos condomínios. Isso não está em questão.”

Fonte: Gazeta do Povo

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