Ninguém contrata um prestador de serviços desconfiando que o mesmo vai “te passar a perna”, certo? Ainda mais quando se trata da administradora do condomínio, uma empresa na qual o síndico deve poder confiar.
É da administradora que o síndico vai receber conselhos de todos os tipos, sugestões de fornecedores, de funcionários a serem contratados e, principalmente, porque é ela quem cuida do dinheiro do condomínio.
A administradora, via de regra, é quem recebe a arrecadação da taxa mensal, faz os pagamentos de absolutamente tudo, desde os colaboradores – maior investimento mensal dos empreendimentos – até pequenos reparos.
O assunto sobre os cuidados que o síndico deve tomar voltou à pauta essas últimas semanas devido a uma administradora que, pelo que parece, lesou diversos condomínios na Baixada Santista.
Os clientes perceberam mudanças nos seus investimentos e também receberam falsos comprovantes de pagamento da empresa, gerando prejuízo financeiro.
Responsabilidade pelos atos da administradora
Sabemos que é o síndico o responsável legal pelo condomínio. Porém, ao contratar um serviço desse tipo, a empresa tem, sim, responsabilidade pelos atos dos seus funcionários, como explica Roberto Bigler, diretor adjunto jurídico da ABADI (Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis).
“A empresa é totalmente responsável pelos atos de seus funcionários ou sócios. O condomínio, nesse momento, é o tomador de serviços, e nessa relação incide o que o Código de Defesa do Consumidor entende como ‘responsabilidade objetiva’”, aponta Bigler.
Importante apontar também que, caso sejam comprovadas falhas na prestação de serviço, o condomínio é livre para encerrá-la sem multas ou aviso prévio.
Modalidades mais comuns de irregularidades e fraudes
A administradora desonesta pode:
– Pedir para o fornecedor de produto ou serviço fazer uma nota fiscal com valor superior ao real, e ficar com a diferença.
– Tirar dinheiro secretamente do fundo de reserva, que é usado só em caso de emergência. Se não há conferência do saldo e da movimentação do fundo, não se percebe esta irregularidade.
– Não especificar as contas a pagar, e desviar dinheiro do condomínio.
– Em casos mais graves, deixar de pagar contas e o condomínio fica inadimplente (água, luz, gás, outros fornecedores).
Fornecedores contratados
Algumas administradoras têm seus “fornecedores cativos”, que lhe destinam “por baixo dos panos” uma porcentagem (de 5 a 10%, geralmente) do valor do serviço ou produto oferecidos ao condomínio.
Por isso, dificilmente são as melhores empresas ou as que fazem o menor preço. Para se prevenir contra esse problema, exigir abertura de cotações sempre com 3 orçamentos para compra de produtos ou contratação de serviços.
É conveniente que o síndico ou o conselho confirmem diretamente com as empresas o valor do orçamento e seus principais pontos, para evitar a possibilidade da administradora ”maquiar” os preços ou serviços oferecidos.
Nas despesas maiores, sugere-se que o próprio síndico ou os conselheiros façam diretamente cotações com fornecedores. Também pode-se aceitar orçamentos apresentados por condôminos.
No caso de fornecedores de produtos que necessitam de constante renovação, como materiais de limpeza, é interessante promover um rodízio entre as empresas de que se compra. Assim, diminui a possibilidade de “conchavo” com a administradora e pode-se verificar a diferença de qualidade entre os produtos e serviços oferecidos.
Os orçamentos de contratação de serviços e compras de produtos devem ser aprovados em assembleia. Qualquer alteração de valores deve motivar a convocação de nova assembleia. Exceções: serviços de emergência; despesas correntes (material de escritório, limpeza), que muitas vezes não precisam de aprovação.
Outro ponto que pode ser um foco de fraudes é o não pagamento de contas de concessionárias, como água e luz.
“Se há desconfiança de que algo está errado, o síndico pode checar nos sites das próprias companhias se as contas estão em dia”, sugere Marco Gubeissi, diretor de administradoras do Secovi-SP.
Contribuições trabalhistas
Uma das fraudes mais comuns cometidas por administradoras desonestas é não pagar as contribuições trabalhistas dos funcionários do condomínios.
Há casos relatados de falsificação de autenticação bancária nas guias de recolhimento. A administradora cobrava o dinheiro do condomínio relativo às contribuições trabalhistas, mas não as pagava, entregando cópias adulteradas das guias.
Independentemente de a administradora ser a responsável pelo débito, neste caso, os condôminos são obrigados a saldar a dívida previdenciária, conforme determina o artigo 123 do Código Tributário Nacional. Para ressarcimento dos valores, o condomínio deve entrar com ação na Justiça contra a administradora.
Recomenda-se ao síndico ou aos conselheiros realizar pessoalmente a emissão da CND (Certidão Negativa de Débito) do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social). Isso pode ser feito via internet. O documento tem validade de 60 dias.
O pagamento do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) pode ser acompanhado pelo funcionário, que deve receber periodicamente em sua residência extratos de sua conta de contribuição, enviadas pela Caixa Econômica Federal. É interessante verificar com os funcionários se eles realmente estão recebendo esta correspondência.
Conta corrente do condomínio
É necessário fazer um acompanhamento constante da movimentação da conta corrente do condomínio: no mínimo, semanal.
Se o condomínio tem ”conta pool”, ou seja, o dinheiro fica numa conta comum da administradora (junto com outros clientes), verificar minuciosamente os relatórios por ela enviados sobre a movimentação, comparando com as despesas alegadas.
A “conta pool” proporciona ao condomínio economia de taxas bancárias, mas aumenta a possibilidade de fraudes, porque o condomínio não tem os extratos fornecidos pelo banco, apenas o relatório da administradora. É lógico que, se a conferência dos relatórios for atenciosa, fecha-se esta brecha.
“A conta pool pode ser uma ótima ferramenta para uma administradora honesta. É importante não diminuirmos o trabalho correto que muitas empresas fazem se utilizando dessa modalidade”, pesa Roberto Bigler.
Suspeita de fraude da administradora
Se há suspeita de fraude da administradora ou do síndico anterior, o melhor a fazer é ter uma postura discreta, num primeiro momento. É interessante juntar o maior número de documentos que provem a irregularidade. Há muitos casos de processos por calúnia e difamação motivados por acusações de fraude em condomínios.
– Pode-se contratar uma auditoria, em suspeita de fraude ou má administração.
– Embora sejam comuns os boatos e suspeitas de irregularidades, poucos casos chegam à Justiça. Um dos motivos é a duração deste tipo de processo: pode demorar até três anos só em primeira instância.
– Nesse período, o réu pode desfazer-se dos bens. Assim, caso ganhe a causa, o condomínio ainda corre o risco de ficar sem receber.
– Se existirem provas documentais constatando crime, uma ação penal deve ser movida com pelo menos uma das seguintes acusações: estelionato, apropriação indébita ou falsificação ideológica.
– Se a acusação permanecer apenas no âmbito civil, pode ocorrer condenação patrimonial e posterior negociação entre as partes.
O que fazer ao perceber que algo está errado na prestação de serviços da administradora?
É responsabilidade do síndico acompanhar o trabalho da administradora mensalmente. O gestor não pode alegar, depois de meses, que não tinha conhecimento de irregularidades praticadas pela empresa. Ele pode, inclusive, responder com seu próprio patrimônio por “erros” cometidos durante a sua gestão.
Se síndico, conselheiros ou moradores sentirem que algo não está correto com os serviços da administradora, o ideal é pedir uma prestação de contas detalhada dos serviços realizados.
“Prestar atenção nas datas dos pagamentos, se estão batendo com as datas de vencimento das contas, por exemplo, é importante. Se o condomínio está com o caixa em dia, tudo deve ser pago dentro do prazo”, aponta Marco Gubeissi, advogado e diretor de administradoras do Secovi-SP.
Com a prestação de contas da administradora em mãos, fica mais claro perceber se está havendo atrasos, saques indevidos, entre outros.
“Caso fique claro para o síndico de que realmente há falhas e/ou fraudes na prestação de serviços, o síndico pode entrar com uma ação judicial pedindo o ressarcimento dos valores em questão”, ensina Roberto Bigler, da ABADI.
O processo, via de regra, corre na Justiça comum. Se ficar comprovado que realmente houve danos ao condomínio no curso da ação, o juiz sentencia a administradora a arcar com o prejuízo em questão – e pode penhorar os bens da empresa e dos sócios.
Aqui, é importante dizer que a empresa escolhida deve ter lastro para fazer frente a esse tipo de prejuízo causado.
“Ao escolher, é fundamental que se opte por uma administradora que tenha solidez de mercado, com um capital social robusto, que siga as boas práticas do mercado, de preferência filiada às entidades de classe da sua cidade ou estado”, assinala José Roberto Graiche Júnior, presidente da AABIC (Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo).
Em capitais como São Paulo e Rio de Janeiro, há certificações das entidades de classe para as administradoras.
O PROAD (Programa de Autorregulação das Administradoras), da AABIC e Secovi-SP, em São Paulo, e o Procondo (Programa de Autorregulação da Atividade de Administração Condominial), do Rio de Janeiro, são programas de qualidade das administradoras, que usam empresas de auditorias externas para qualificar o trabalho das empresas que buscam a certificação.
Fontes consultadas: José Roberto Graiche Júnior (AABIC), Marco Gubeissi (Secovi-SP), Roberto Bigler, diretor adjunto jurídico da ABADI
via https://www.sindiconet.com.br/