Convivência coletiva coloca em questão os direitos à privacidade e à propriedade
Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
A vida em condomínio e seus problemas corriqueiros, como cachorros latindo, crianças gritando, vizinhos fumando e a colocação de câmeras de segurança, levantam uma série de questões de fundo sobre dois direitos fundamentais na vida moderna: o direito de propriedade e o direito à privacidade. Ambos são previstos pela Constituição brasileira, mas não são ilimitados. Encontrar os limites entre direitos de vizinhos ou à intervenção da coletividade na vida privada é um exercício complexo e a melhor solução para os barracos na vizinhança nem sempre é o Poder Judiciário, mas o bom senso.
O advogado Alexandre Marques, que lida com direito condominial há 27 anos e é vice-presidente da Comissão de Direito Condominial da OAB de São Paulo, resume um princípio fundamental em todas as questões de condomínio: “Ainda que as pessoas não tenham um senso ético do que é morar em condomínio, elas precisam observar os limites legais. As pessoas fecham a porta do apartamento e acham que podem fazer o que bem entendem, mas existem limites à propriedade: esses limites estão onde começam os direitos do próximo”, afirma.
Dois instrumentos importantes são destacado por Marques para balizar e evitar as brigas em condomínios: a convenção de condomínio, exigida pela Lei de Condomínio (Lei 4591/1964) e o regimento interno. “A convenção do condomínio é como a Constituição do Brasil: lá está a forma de governo, como funciona o pagamento das contas, o que pode ou não ser feito pelos moradores, quem vai ser síndico e por quanto tempo. Já o regimento interno regula o convívio social dos moradores e de uso das áreas comuns”, explica.
Bernardo César Coura, advogado especialista em direito condominial, lembra que o bom senso deve sempre prevalecer nas questões de condomínio. O advogado recorda um caso em que a convenção de um condomínio comercial proibia a instalação de toldos nas áreas comuns do prédio por particulares. Embora as pastilhas da fachada estivessem caindo sobre os carros, o condomínio não queria arcar com a instalação do toldo e os condôminos foram autorizados excepcionalmente a instalar o toldo. “Se não tivermos bom senso em cada situação, não chegaremos a lugar nenhum. O caminho é a desjudicialização, por isso o novo Código de Processo Civil trouxe a previsão de audiências de conciliação”, opina Coura.
Dois instrumentos importantes são destacado por Marques para balizar e evitar as brigas em condomínios: a convenção de condomínio, exigida pela Lei de Condomínio (Lei 4591/1964) e o regimento interno. “A convenção do condomínio é como a Constituição do Brasil: lá está a forma de governo, como funciona o pagamento das contas, o que pode ou não ser feito pelos moradores, quem vai ser síndico e por quanto tempo. Já o regimento interno regula o convívio social dos moradores e de uso das áreas comuns”, explica.
Bernardo César Coura, advogado especialista em direito condominial, lembra que o bom senso deve sempre prevalecer nas questões de condomínio. O advogado recorda um caso em que a convenção de um condomínio comercial proibia a instalação de toldos nas áreas comuns do prédio por particulares. Embora as pastilhas da fachada estivessem caindo sobre os carros, o condomínio não queria arcar com a instalação do toldo e os condôminos foram autorizados excepcionalmente a instalar o toldo. “Se não tivermos bom senso em cada situação, não chegaremos a lugar nenhum. O caminho é a desjudicialização, por isso o novo Código de Processo Civil trouxe a previsão de audiências de conciliação”, opina Coura.
Marques concorda com essa visão: a maioria dos problemas em condomínios é, antes de tudo, de disputas entre vizinhos. Por isso, o primeiro passo é procurar o outro morador e tentar resolver o imbróglio amigavelmente. Se a questão não for resolvida, é hora de procurar a administração. Ajuizar uma ação na Justiça deve ser a última opção. “Até porque nem sempre o Judiciário dá guarida para esse tipo de coisa, pois um dos pressupostos do direito de ação é o interesse de agir, ou seja, a relevância daquilo para o Judiciário”, diz. O advogado ressalta que muitos problemas que acabam sendo judicializados e, assim, não encontram solução, poderiam ter sido resolvidos amigavelmente de antemão. Marques lembra até de um caso em que mediou a briga entre um vizinho e uma vizinha solteiros por causa de barulho e, um ano depois, recebeu o convite do casamento dos dois.
Nem sempre a conversa resolve, porém. Para os casos de moradores indisciplinados, que não respeitam os pedidos da vizinhança, as advertências da administração e mesmo as multas aplicadas, o Código Civil traz as duas previsões mais contundentes do direito brasileiro. O artigo 1336 prevê que uma assembleia específica poderá ser convocada para compelir o morador “acintoso” a pagar uma multa de até cinco cotas condominiais. Se não adiantar, o artigo 1337 autoriza a convocação de uma assembleia para enquadrá-lo como “condômino antissocial” e obrigá-lo a pagar uma multa de até 10 cotas condominiais.
Se, ainda assim, o barraqueiro não se emendar e continuar desrespeitando as regras de condomínio de forma grave, colocando em risco a incolumidade dos moradores, a segurança patrimonial ou a segurança dos vizinhos, o Judiciário pode obrigar o condômino a se afastar do convívio condominial, proibindo-o de acessar o condomínio, mas não a perder a propriedade. O condenado poderia ainda alugar ou ceder o apartamento. “Em países como Itália e Alemanha, o condômino pode vir a perder propriedade sem indenização, mas isso não ocorre no Brasil”, lembra Marques.
Do queijo ao cigarro: o que aprendemos com os romanos
Eduardo César Silveira Vita Marchi, professor titular de Direito Romano da Faculdade de Direito da USP, publicou uma tese sobre os condomínios em edificações na Roma Antiga. Marchi destaca que a moradia típica dos romanos eram os prédios de apartamentos, e não as casas que aparecem em filmes. Uma lei do Imperador Augusto, inclusive, limitou a altura dos prédios a cinco andares por uma questão de segurança pública e da beleza da vista das cidades. A prática de aluguel era muito comum entre os romanos. Muitas das regras da copropriedade moderna são todas baseadas na experiência romana. Há um fragmento do Digesto, livro em que o imperador Justiniano reuniu as consultas aos juristas romanos, que narra o caso de um morador que instalou uma fábrica de queijos no térreo de um prédio. A fumaça da produção começou a importunar os moradores dos andares superiores e um jurista romano deu seu parecer: a fumaça era invasão de propriedade alheia.
Pode fumar?
A Lei Antifumo (Lei 12.546/2011), regulamentada em 2014, proíbe o fumo nas áreas comuns do condomínio. Não se pode fumar nem em áreas abertas. A princípio, os moradores podem fumar na inviolabilidade do lar, garantida pela constituição, mas a fumaça do cigarro não pode gerar incômodo em outros apartamentos. Coura destaca que casos assim devem ser discutidos em assembleia.
Cara, cadê meu carro?
“O carro é sagrado para o brasileiro. Quer ver briga em condomínio é mexer no carro. Sorteio de vagas, carros que não cabem na garagem, todo tipo de problema”, lembra Marques. Nesses casos, o advogado ressalta que as regras da convenção de condomínio e do regulamento interno devem ser respeitadas. É nestes instrumentos que estão as informações, por exemplo, sobre quantas vagas há por apartamento, sobre o tamanho das vagas, se há vagas para portadores de necessidades especiais, se há vaga para visitantes, se o morador pode entrar com um carro em uma vaga diferente apenas para descarregar as compras do supermercado.
Por isso, o condomínio deve dar publicidade das informações que constam nestes documentos. “É necessário que você conheça essas regras antes de tomar a decisão de comprar ou alugar um imóvel , mas o síndico deve fixar essas regras nas áreas comuns e esclarecer para os moradores”, alerta Marques.
Marques ressalva que o condomínio não pode impedir o morador de estacionar em sua vaga de garagem ou acessar as demais áreas comuns quando estiver inadimplente. “Isso é ilegal. É a propriedade do condômino. Para cobrá-lo, há ações próprias de cobrança”, diz.
Era um biquíni de bolinha amarelinha
Para a maioria da jurisprudência brasileira, a administração pode colocar câmeras nas áreas comuns do condomínio, mas não nas piscinas, nas saunas ou nas áreas comuns dos andares, porque nesses casos os juízes entendem que prevalece o direito à privacidade. Marques ressalva que, em tese, uma assembleia que conte com a anuência de todos os condôminos poderia autorizar a instalação dessas câmeras.
A situação se complica quando há diferentes direitos em jogo. Coura destaca um caso de um cliente que teve o carro danificado várias vezes no estacionamento do prédio. As câmeras da área comum não conseguem alcançar a vaga e filmá-la. O morador decidiu então instalar câmeras por conta própria para proteger seu patrimônio e condomínio acionou-o na Justiça, alegando invasão da privacidade dos demais moradores, porque só ele teria acesso a filmagens da área comum. “Dois direitos estão sempre em confronto e o Judiciário terá de decidir, nesse caso, qual é o mais importante”, resume Coura.
Pode ter animais?
O Judiciário entende que a Constituição garante às pessoas o direito a ter animais domésticos com base no direito de propriedade e na dignidade humana. Coura destaca, porém, que os animais não podem oferecer risco aos demais condôminos ou obstar a convivência. O advogado lembra que as convenções de condomínio podem, em tese, proibir totalmente a presença de animais no local, embora haja ações questionando essa possibilidade. Não há consenso na jurisprudência sobre essa questão.
Pode fazer barulho durante o dia?
Muita gente pensa que pode fazer barulho até às 22h, mas não é bem assim. Existe uma norma técnica da ABNT que prevê diferentes níveis de ruído aceitáveis em cada período do dia: até 55 decibéis durante o dia e até 35 decibéis durante a noite. “Não dá para eu achar que posso tocar bateria na hora do almoço”, exemplifica Marques.
Todos os problemas relativos a barulho são resolvidos, quando chegam ao Judiciário, por referência a esta norma técnica, desde latidos de cachorro até sapatos de salto durante a madrugada ou gritos de criança. “Hoje dá para baixar até no celular um aplicativo que mede a intensidade dos ruídos. Se esse ruído ultrapassar o nível permitido, você pode mandar uma carta para o seu vizinho. Se ele não atender ou aumentar o som por pirraça, é hora de procurar a administração”, observa o advogado.
E se for no primeiro andar?
Quem mora no térreo ou no primeiro andar escolheu suportar um pouco mais de barulho que vem das nas áreas comuns, como no caso de crianças brincando ou de salões de festas. Esse é o entendimento do Judiciário nesses casos, segundo Marques. “O limite da norma técnica continua sendo observado, mas com alguma flexibilidade do bom senso. Os andares mais baixos estão mais expostos a barulho”, pondera.
Fonte: Gazeta do Povo