Quando entrou em vigor, há dois anos, a nova Lei do Inquilinato gerou a expectativa de uma redução no valor dos aluguéis ao trazer maior equilíbrio na relação entre locador e locatário. Mas, ao contrário do previsto, os aluguéis não diminuíram e uma das principais críticas é que as mudanças deram maior poder ao locador. Em entrevista à Gazeta do Povo, o advogado coautor da lei do inquilinato Sylvio Capanema de Souza afirma que as alterações beneficiaram não o locador ou o locatário, mas todo mercado. Já a redução no preço dos alugueis, ainda pode se confirmar com o amadurecimento e consolidação do mercado imobiliário brasileiro.
O principal objetivo das alterações na Lei do Inquilinato era equilibrar a relação entre o proprietário do imóvel e o inquilino. Como o senhor avalia essas mudanças?
A lei do inquilinato surgiu em 1991 quando o mercado locatício era o mais tumultuado, nervoso e talvez o mais violento de todos os mercados econômicos. Havia um déficit habitacional de cerca de 12 milhões de unidades, o que fazia com que locadores e locatários se conduzissem como exércitos inimigos. A lei surgiu para equilibrar mais a relação jurídica entre as partes e incentivar os investimentos no setor da construção de imóveis para alugar. É evidente que com as brutais transformações da sociedade atual, por melhor que fosse a lei, depois de 21 anos ela teria de ser modernizada.
Foi por isso que, em 2009, surgiu a lei nº 12.112 para tentar solucionar os conflitos locatícios, principalmente as ações de despejo. A demora na solução destas ações é um fator que desestimula o investimento nesta área. Os investidores e locadores temem a demora do pagamento de aluguéis. Os locadores obviamente têm interesse direto no aluguel. No momento em que eles não recebem, a relação se torna extremamente onerosa e as ações de despejo demoram de maneira a causar um prejuízo expressivo.
Uma das principais reclamações foi que as mudanças beneficiaram mais o locador. Isto de fato ocorreu com a nova legislação?
Os locatários devem realmente perder o sono com essa lei, eles foram fortemente ameaçados; mas só os locatários inadimplentes.
Porque o locatário que cumpre o contrato, que paga o aluguel, que conserva o imóvel que não é dele, esse não precisa perder um minuto de sono. Então, na verdade, a lei não favorece nem o locador, nem o locatário. Ela não prejudica nem o locador, nem o locatário. Ela favorece o mercado.
Na medida em que se consegue um mercado mais equilibrado, capaz de atrair investimentos desviando-os de outros setores menos sociais como a especulação de ações, de ouro, toda a sociedade ganha. O importante foi romper uma visão maniqueísta de que o locador é sempre um explorador impernitente e o locatário uma vítima indefesa. É preciso que tenhamos consciência que a locação é um contrato como outro qualquer e, assim, tem de ter um mínimo de equilíbrio econômico para poder sobreviver no mundo capitalista que vivemos.
O senhor comentou a respeito dos investimentos. Estava prevista uma maior oferta de imóveis e, por conta disso, a diminuição dos aluguéis. Mas não foi isso que aconteceu.
Um dos objetivos da lei era diminuir os aluguéis pela lei da oferta e da procura. Nós imaginávamos na época que aumentando a oferta de unidades os aluguéis cairiam. Isto realmente ocorreu na década de 1990, mas agora vivemos outro tempo. O Brasil cresceu, está se desenvolvendo economicamente. A população está crescendo em nível social e econômico e a procura por imóveis voltou a suplantar a oferta.
Pela lei da oferta e procura, o mercado está muito aquecido e enlouqueceu. Os valores aumentam 100% de ano para ano. No Rio de Janeiro é um negócio inacreditável. O pessoal compra apartamentos de R$ 400 mil e no ano seguinte pode vender por R$ 700 mil. Mas isso não é culpa da lei do inquilinato, isso é culpa do desenvolvimento econômico do Brasil e da ascensão de classes que antigamente não tinham acesso à casa própria, à locação.
Então o motivo para o aumento dos preços dos aluguéis é o boom imobiliário?
Sem dúvida nenhuma. O mercado imobiliário é uma espécie de vasos comunicantes, quando um dos setores entra em depressão, cai tudo. Mas também, quando se eleva, todo o mercado responde positivamente.
Como será daqui para frente com relação aos valores dos aluguéis?
A política mais acertada do governo é incentivar a compra do imóvel. Só se consegue reduzir o preço da locação na medida em que as pessoas conseguem realizar seu sonho de adquirir a casa própria.
Acredito que os projetos do governo como o Minha Casa, Minha Vida e a redução dos juros vão equilibrar o mercado em um pouco mais de tempo, principalmente diminuindo a procura de locação. Há exceções, mas você só aluga um imóvel se não tem como comprar. Na medida em que for mais fácil para a população comprar o imóvel onde viver, a tendência é diminuir o aluguel porque a oferta vai superar a procura. É impossível revogar a lei da oferta e da procura.
Mas, com a compra aquecida, não reduziria a oferta de imóveis para locação e consequentemente aumentaria preço do aluguel?
Este é o risco, vai depender da velocidade da mudança. Claro que se reduzir o número de unidades oferecidas, o aluguel sobe. Vai depender muito do comportamento do mercado. Houve uma retração no mercado, mas já era esperada. Alguns pessimistas alegavam que estávamos à véspera de uma bolha, exatamente igual a dos Estados Unidos, o que nos mergulharia em uma depressão econômica. Eu não acreditava nisso, mas tinha certeza que ia haver um retrocesso no mercado porque era um ritmo alucinante. A economia não tem mistério, chega a um ponto que nenhum mercado aguenta e encontra um ponto de equilíbrio.
Falta de garantia não funciona na prática
As alterações na lei do inquilinato trouxeram a possibilidade de contratos de locação de aluguel sem a exigência de garantias ou fiador. Mas, mesmo dois anos após as mudanças, esta opção não foi bem aceita pelo mercado.
A ausência da garantia traria ao locador a facilidade do despejo. Assim, me caso de inadimplência, uma ação judicial garantiria a desocupação do imóvel em até 15 dias. Segundo o advogado e coautor da lei do inquilinato, Sylvio Capanema de Souza, a ideia era teoricamente perfeita, mas não funcionou na prática.
“O Judiciário está em crise, eu não digo que é crise da Justiça, é crise do Judiciário. Qualquer coisa no Judiciário atualmente é contada em meses ou anos. Mesmo para obter uma liminar para desocupar em 15 dias, você talvez leve seis, oito meses. Neste tempo, o locador está sem receber o aluguel e sem a garantia. Teoricamente a ideia foi muito boa, mas na prática é uma catástrofe”, avalia.
Além disso, a possibilidade da falta de garantias não atraiu locadores e imobiliárias. “Contratos sem garantia nenhuma não dá certo. As imobiliárias e administradoras não estão se deixando seduzir por isso”, reconhece. Segundo dados do Instituto Paranaense de Pesquisa e Desenvolvimento do Mercado Imobiliário (Inpespar), esse tipo de contrato é praticamente inexistente e representa apenas 1% dos contratos fechados em Curitiba.
Alternativas
Para Souza, a diversificação das formas de garantia acabou preenchendo essa lacuna. “Com as dificuldades em oferecer uma garantia de um fiador, de depósito para o seguro fiança, estão surgindo ideias novas no mercado, como o título de capitalização. O locatário assina um título em um determinado valor, digamos seis vezes o aluguel. Terminada a locação, se ele cumprir suas obrigações, levanta o dinheiro com correção monetária e juros. Talvez isso seja uma solução que dispense o locatário de achar um fiador e representa ao locador uma garantia mais eficaz”, aponta. (AM)
do país e ascensão de classes contribuíram para que o preço dos alugueis não caíssem como era previsto com a entrada em vigor da nova lei do inquilinato.
Fonte: Gazeta do Povo